Professor e estresse: fugindo dos rótulos e buscando possibilidades de manejo e intervenção através da Psicologia Escolar
Written by Adonai Estrela Medrado   
Monday, 07 December 2009 04:51

Sobre

Este material foi adaptado do original apresentado em dezembro/2009 como requisito para aprovação na disciplina Psicologia Escolar II do Curso de Psicologia/UBFA. O original em PDF pode ser baixado aqui.

Introdução

Este estudo representa um ensaio em busca de alternativas para atuação do psicólogo no ambiente escolar através de uma perspectiva sistêmica que perceba a escola como uma complexa organização formada por pessoas. Parte-se do princípio de que a Psicologia Escolar tem muito a contribuir para o manejo do estresse neste ambiente de trabalho.

Para Witter (2003), o contexto educacional pode gerar estresse em todos os que participam do processo, mas, especificamente no que concerne ao professor, não há somente uma variável estressora, mas um pacote de variáveis interligadas onde uma pode potencializar a outra. Apesar da pertinência de pesquisas que relacionem o estresse e a docência, Witter (2003) fez o levantamento das produções na base da PsycArticle da American Psychological Association (APA) e encontrou somente 28 estudos. A justificativa para isto pode ser encontrada na dificuldade de pesquisar e intervir neste fenômeno.

Entretanto, não é objetivo deste trabalho rotular a profissão do professor como estressante, nem associar o fenômeno de burnout ao exercício da função docente. Estes rótulos costumam ser utilizados para protestar contra os baixos salários e caracterizar pejorativamente a profissão, porém o principal é saber como trabalhar estas questões e buscar alternativas que amenizem ou diminuam estes problemas. A simples caracterização e rotulação só desestimula e vitimiza o profissional, não contribuindo em nada para a solução da questão.

Pauta este estudo o raciocínio sistêmico exposto por Senge (1990) como uma disciplina para ver o conjunto, as inter-relações e os padrões de mudança. A complexidade da contemporaneidade exigiria este tipo de raciocínio. O raciocínio sistêmico auxiliaria na diminuição da impotência que a interdependência atual tem gerado. Esta impotência muitas vezes aparece em frases do tipo “não podemos fazer nada, é o sistema”. Para vencer a complexidade seria necessária uma mudança de mentalidade, deixando-se de ver as partes para ver o todo.

Nesta linha, o estresse profissional deixa de ser algo do indivíduo, que afeta somente a ele. A rotulação (se serve para algo) é para identificar o problema. A visão sistêmica nos permite perceber que um profissional que sofre com o estresse afeta toda a dinâmica organizacional.

Este trabalho apresenta três seções. Na primeira discute-se e justifica-se através de um exemplo porque é necessário ver a escola como um sistema. A segunda, partindo da visão sistêmica e da idéia da escola como organização, mostra-se uma possibilidade de atuação do Psicólogo Escolar no desenvolvimento de carreira para lidar com o estresse enfrentado para a formação do professor no mundo contemporâneo. A última seção trata da discussão de um caso onde a falta de visão de todo, do trabalho em equipe e da comunicação criam uma situação de estresse onde a intervenção de um Psicólogo Escolar seria bem vinda.

A escola como um sistema

Senge (1990, p. 80) afirma que a realidade é feita de círculos, mas a linguagem nos leva a um pensamento linear. Segundo ele, para se perceber as inter-relações de um sistema é necessário uma linguagem feita de círculos. A figura abaixo é uma tentativa de utilizar a linguagem proposta por ele em um raciocínio sistêmico para explicar as implicações do estresse do professor em uma escola.

A história contada na figura é uma situação hipotética que pode representar a realidade do que ocorre em muitas escolas. Ela mostra que um professor estressado pode se sentir sem motivação para o desenvolvimento profissional. A falta de desenvolvimento profissional pode gerar um profissional estagnado no tempo que não progride em sua carreira e a percebe como um verdadeiro tormento. A estagnação, no caso do professor, acarreta em um conflito em relação aos alunos os quais vivem ativamente o mundo moderno e desejam, na escola, adquirir competências e habilidades para melhor se relacionar com o seu meio. Um professor estagnado possivelmente não conseguiria atender a esta demanda. O aluno, desestimulado, começa a ficar desinteressado e indisciplinado, revoltando-se contra uma situação que não atende às suas necessidades. Esta postura leva a um baixo rendimento. Diante do baixo rendimento a escola (direção e corpo docente) tenta encontrar culpados: situação sócio-econômica, condição de moradia, falta de apoio da família, etc., mas eventualmente a cobrança por melhores desempenhos recai no professor o que acaba criando uma situação de estresse e realimenta o sistema.

O grande problema é que, sem uma visão sistêmica, o professor nunca vai perceber que o seu estresse poderia ser amenizado por uma política de desenvolvimento pessoal e profissional. A ausência de uma ação provoca a realimentação do ciclo e uma imensa bola de neve.

Este caso hipotético serve também para exemplificar duas das leis do raciocínio sistêmico proposto por Senge (1990). A primeira delas é enunciada da seguinte forma: “a saída fácil geralmente nos conduz de volta à porta de entrada”. Isto significa que não adianta tentar encontrar soluções sintomáticas que “resolveriam” o problema em curto prazo, mas, na verdade, apenas estariam empurrando o problema para frente. Por exemplo, talvez como estratégia para contornar o desinteresse da turma concretizado por meio das conversas paralelas o professor imponha um mapa de sala, demarcando o lugar onde cada aluno deve sentar. Em curto prazo, os alunos iriam parar com as conversas paralelas, pois estariam longe de seus colegas mais íntimos, porém, com o tempo, a conversa voltará porque o problema do desinteresse dos alunos não foi resolvido, apenas encontrou-se uma forma de ocultar seus sintomas. Entretanto, como a solução fundamental – a partir das causas – exige um esforço – a descoberta do motivo do desinteresse e o desenvolvimento profissional –, o que geralmente se costuma fazer quando a conversa volta é rodízio do mapa de sala.

Uma segunda lei do raciocínio sistêmico de Senge (1990) que pode ser ilustrada no exemplo é que “não existem culpados”. Na medida em que a escola procura culpados para o baixo rendimento se esquece de se relacionar com o problema. A cura está em compreender o sistema e agir nele. A busca por culpados não ajuda em nada. A questão é o que pode ser feito dentro do sistema organizacional com os recursos que se tem para encontrar uma solução fundamental.

O estresse da formação: exigências ao professor contemporâneo

O passar do tempo e o mundo contemporâneo exige cada vez mais do docente. Hoje não é bem visto o professor que chega na aula e “despeja” o conhecimento no aluno em uma metodologia conteudista que trabalha somente com a “decoreba” e não estimula o raciocínio e o pensamento crítico.

Perrenoud (2000) sugere as competências que, considerando a contemporaneidade, deveriam orientar a formação inicial e continuada de um educador. Ele propõe dez competências para ensinar no mundo contemporâneo. Dentre outras, a lista inclui trabalhar em equipe, utilizar novas tecnologias e administrar sua própria formação contínua.

Com uma abordagem igualmente atual, Morin (2000) expõe o que chama de problemas centrais ignorados ou esquecidos e que são necessários para ensinar neste século. Ele acredita que existem sete saberes fundamentais que a educação do futuro deveria tratar. A proposta é pensar o erro e a ilusão no conhecimento, os princípios do conhecimento pertinente, o enfrentamento das incertezas, a ética do gênero humano e o ensino da compreensão, da condição humana e da identidade terrena.

Freire (2008) analisa saberes necessários à prática educativa. Para ele, ensinar exige, dentre outros aspectos, a pesquisa, a criticidade, a ética, reflexão crítica sobre a prática, respeito à autonomia, curiosidade, comprometimento e saber escutar. A formação docente giraria em torno da autonomia do ser dos educandos.

Segundo Moraes (1997), a busca de novos ambientes de aprendizagem mais adequados ao mundo como ele é hoje levou à procura de um novo referencial para a educação. Surgem novas formas de entendimento. O pensamento sistêmico é percebido como pensamento-chave e fundamenta-se no reconhecimento da complexidade do universo; um sistema não seria um todo constituído de partes, mas algo que teria qualidades próprias que somente emergem quando o sistema se constitui, seria necessário compreender o relacionamento das partes com o todo. O conhecimento em rede constitui-se da noção de interligação, onde uma ciência ou disciplina não é mais importante do que outra, existindo a interconexão de todos os conceitos e de todas as teorias.

Existe, então, uma pressão cada vez maior pela capacitação, pela formação continuada e pela aquisição de competências que acompanhem a evolução da sociedade. Em uma proposta integradora das psicologias, a Psicologia Escolar pode fazer uso dos conhecimentos da Psicologia Organizacional e aplicá-los no contexto da escola para possibilitar o desenvolvimento do professor como pessoa e como profissional. Esta ação seria capaz reduzir o estresse causado por esta pressão pela formação e pode ser pautada nos princípios da gestão do desenvolvimento e da carreira por competência.

Dutra (2001) afirma que as organizações estão pressionadas para investir no desenvolvimento humano. A escola como uma organização não é exceção a regra. O mesmo autor afirma que os indivíduos percebem que o aperfeiçoamento é condição sine qua non para inserção e manutenção no mercado de trabalho. O desafio seria orientar o desenvolvimento no ambiente volátil da contemporaneidade. A carreira profissional seria construída em conjunto por pessoas e organizações e deve basear-se em princípios que representem um compromisso que nasça do consenso entre a organização e a pessoa.

O papel do Psicólogo Escolar poderia seguir o rumo de suporte, intermediador, negociador e sistematizador da formação e do planejamento de carreira. Utilizando-se as técnicas já disponíveis poder-se-ia auxiliar o professor a gerir sua carreia de forma a se desenvolver e se aproximar dos interesses da instituição onde trabalha, possibilitando, no processo, a diminuição do estresse que a busca e a ânsia desordenada por formação pode causar.

Considerações finais

A Psicologia Escolar não pode ser uma psicologia clínica que trata do indivíduo. Para obter êxito o psicólogo que trabalha dentro da escola tem que compreender o sistema, as forças e a dinâmica organizacional para poder criar estratégias de intervenção que de fato contribuam em longo prazo.

O raciocínio sistêmica de Senge (1990) pode ajudar na compreensão dos processos, mas também é essencial que a Psicologia Escolar não se feche em si mesmo, pois é necessário o diálogo entre as psicologias em prol de uma interdisciplinaridade que gere benefícios para todos. Como exemplificado, a Psicologia Escolar pode ir à Psicologia Organizacional para trabalhar a questão do desenvolvimento e da carreira através da gestão por competências.

Longe do isolamento e da visão linear, a Psicologia Escolar deve perceber a escola como um sistema integrado, pois só assim será possível intervir de forma mais precisa em problemas como o estresse docente que é causado por um pacote de variáveis inter-relacionadas.

Referências

DUTRA, Joel Souza. Gestão do desenvolvimento e da carreira por competência. In: DUTRA, Joel Souza (org.). Gestão por competências: um modelo avançado para o gerenciamento de pessoas. São Paulo: Gente, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 37ª Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente: implicações na formação do professor e nas práticas pedagógicas. Coleção Práxis. Campinas: Papirus, 1997.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez. Brasília, UNESCO, 2000.

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

SENGE, Peter M. A quinta disciplina. Tradução de Regina Amarante. São Paulo: Editora Best Seller, 1990.

WITTER, Geraldina Porto. Professor-estresse: análise de produção científica. Psicol. esc. educ. [online]. jun. 2003, vol.7, no.1. p.33-46. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572003000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 1 de dez. 2009.

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