Memorial: pensando em educação |
Written by Adonai Estrela Medrado |
Monday, 30 June 2008 20:37 |
SobreO material apresentado aqui foi escrito no final do primeiro semestre de 2008, em um só dia. Foi parte integrante de uma atividade solicitada pelo curso de Letras. Não foram realizadas alterações. MemorialFui solicitado a fazer um memorial sobre a minha relação com educação. Não sou muito bom em recordar. Nem sei se gosto muito disto. Lembro que ontem vi uma frase “recordar é viver” e completei... “viver no passado”. Porém às vezes acredito que sim, que seja importante lembrarmos de como nos tornamos assim. Talvez isto ajude a encontrarmos o nosso futuro. Mas será que temos algum controle sobre nossas vidas? Será que de fato escolhemos alguma coisa? Somos chamados e convivemos a vida inteira com algo que não foi nossa escolha: nosso nome. Nem optamos pela vida, foram nossos pais que o fizeram. Também não escolhemos morrer... Já foi decidido. Eu escolhi estudar? Tenho, infelizmente, esta mania que me persegue: ficar procurando sentido para as coisas. Como vou mostrar, esta mania é bastante incômoda. Por que estudar? Vou tentar responder à esta questão partindo da resposta popular que me parece mais freqüente: “o estudo nos leva a ser alguém na vida”. Mas o que é realmente “ser alguem na vida?”. Quando ouço esta frase penso logo que ela equivale a dizer que educação leva a ter dinheiro e poder. Sim, pois se, como dizem, conhecimento é um dos bens mais ricos que temos, devemos perguntar imediatamente para que serve um bem e para que queremos ser ricos? Na minha visão, um bem serve para nos diferenciar do outro. Desejamos muitos (e/ou valiosos) bens para conseguirmos prestígio e poder. Não preciso lembrar que poder é um elemento essencial da relação dominado/dominador. Talvez isto possa ser associado de alguma forma à díade doutor/peão. Podemos ir mais adiante, afirmando que se educação causa diferença, criando relações de poder ela é um dos suportes ao capitalismo e a todos os problemas que dele deriva. Minha visão segue em evidente oposição à perspectiva majoritária de que a educação está para a libertação do homem e que nela reside o futuro do país. Estudar para mim só leva à manutenção deste sistema extremamente estressante onde contraditoriamente criamos necessidades inúteis. Precisa-se do computador, do carro, do celular, da televisão, do livro e de muitas outras coisas como se, quando estas coisas não existiam, fossemos seres infelizes e incompletos. Vivemos na ilusão. Eu, de forma alguma, estou fora deste sistema. Pelo contrário, mantenho-o veementemente. Sou professor universitário, Bacharel em Informática, estou concluindo especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior, faço formação em psicanálise, faculdade de psicologia e letras, já fiz curso de inglês e pretendo ainda, no semestre que vem, aprender alemão, francês e espanhol além de entregar o projeto de mestrado. Por que faço isto? Simples: prefiro ser dominador que dominado. Quanto mais dominador, maior a capacidade de decisão, quanto mais dominado, mais se é necessário resistir ou se conformar. O dominador escolhe, o dominado tenta. Antes de entrar na universidade, estudei minha vida inteira em apenas duas escolas. Na primeira fique até a alfabetização. Nunca repeti uma série. Cheguei próximo dos dois extremos: fui bastante comportado, beirando ao doentio, e fui desleixado me aproximando (porém nem tanto) do problemático. Passei de primeira em todos os vestibulares que eu fiz, inclusive nos mais concorridos. Cursava de início duas faculdades simultaneamente, Informática na UCSal e Veterinária na UFBA. (Sim, sempre fui eclético com relação aos estudos, gosto de várias áreas.) Depois eu abandonei a UFBA quando me mandaram montar o esqueleto de um coelho, com um detalhe importante: eu tinha que encontrar o coelho. Infelizmente não encontrei um coelho já morto, teria, como disse a professora, que matar ou mandar matar um. Como não me considero superior a nenhum ser, ficou o coelho vivo e eu somente com a faculdade de Informática. Foi bom. Pude me dedicar muito mais, direcionando minha atenção. Ainda na faculdade de informática me encantei pelas possibilidades da mente humana. Havia uma matéria chamada ética, nesta, para mostrar a influência do marketing e o funcionamento da mente humana, trabalhava-se o tema da hipnose tanto do ponto de vista teórico, quando do prático. O professor da disciplina me chamou para fazer um curso que ministrava aos finais de semana onde avançava no tema hipnose. Fui, acompanhei-o auxiliando-o nos muitos outros cursos do mesmo tema que se seguiram. Li bastante, me engajando em assuntos como psicanálise e parapsicologia. Esta história terminou em um novo começo. Depois que concluí Informática, já trabalhando com ela, fiz um semestre de cursinho e prestei vestibular novamente para psicologia o qual resultou em meu reingresso na UFBA. Estudar psicologia representa outro mundo completamente diferente. Dos cálculos, do mundo lógico e objetivo da informática, onde a maioria das coisas podem e devem ser provadas, para um mundo em que as coisas são incertas. Um mundo em que dez pessoas falam a mesma coisa, mas utilizam termos diferentes, onde a certeza é a completa incerteza, onde tudo pode mudar e que nada pode ser definitivamente provado. Toda a vivência com este mundo me faz bem. Decepcionei-me um pouco e ainda me decepciono a cada dia, mas ainda estou satisfeito. Acho que psicologia serve como contrapeso à Informática. Máquina e humano. Nesta época me veio o desejo de fazer um mestrado. Mas em que? Em Salvador nada me interessava na área de Informática. A idéia ficou em stand-by. O meu sócio da empresa de informática é de Valença e achou que poderia conseguir mais clientes e atender melhor o que já temos de lá. Como eu me conheço um pouco, sabia que não iria a Valença com freqüência se não tivesse um motivo. Surgiu a idéia de fazer lá uma especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior. No decorrer da especialização me convidaram para ser professor de informática da instituição. Aceitei. A idéia de ser professor sempre me atraiu. Mas o que é “ser professor”? Pergunta difícil. Se meu raciocínio de que a educação é instrumento do capitalismo está correto, então o professor é aquele que prepara o futuro dominado/dominador para o mundo. Mas eu queria ser professor para descomplicar. Achava que muita coisa simples estava sendo complicada ou mal explicada e que vários professores estavam dando aula mais para si do que para o aluno. Neste meio tempo, além de ter uma empresa, cursar psicologia e especialização, resolvi fazer uma disciplina do mestrado como aluno especial na Faculdade de Educação da UFBA. Cursei Linguagem e Educação. Gostei muito tanto dos professores, quanto do método de ensino e dos colegas. Senti o clima do mestrado. Percebi muitas pessoas como puxa-sacos do professor e pela primeira vez vi um aluno pela lista de e-mail da turma justificar, sem ser solicitado, que não tinha ido para aula por estar com “problemas intestinais”. Do dialogismo, ao qual fui apresentado nesta disciplina, obtive minhas idéias para o mestrado. Como meu projeto envolve também educação a distância, achei que era essencial eu viver esta experiência. Tornei-me aluno de Letras na Unifacs. Meus professores do colégio certamente diriam que Letras seria o último curso que eu iria escolher. Escrevia, e até hoje ainda escrevo um pouco, fora da norma padrão, atrapalho-me entre ç/ss, s/z e s/x. Não consigo compreender o porquê de estender se escrever com s e extensão com x... Tenho extrema dificuldade de entender e/ou de decorar coisas que, para mim, não fazem sentido. Não gosto de interpretar poemas, poesias ou letras de música. Acho imprudente a padronização dos enunciados e das associações livres que posso fazer. Muitos professores que conheço, inclusive universitários, tem o desejo de controlar aquilo que o aluno pensa. Por exemplo, eles dizem, “você tem que ler tal texto” em oposição a “acho interessante você pesquisar sobre tal tema, o que você acha?”. Talvez eu seja louco. O curso de Letras é uma oportunidade, tanto de eu avançar no meu projeto de mestrado, quanto de eu ampliar e melhorar meus conhecimentos. Não sei se pretendo lecionar a crianças. A priori não acho que teria paciência necessária para tanto. Prefiro trabalhar com pessoas mais maduras. Por exemplo, meus alunos são dos últimos semestres de graduação. Por isto, em alguns aspectos, esta segunda e terceira graduação estão ficando meio cansativas. A maioria dos meus colegas ainda não estão acostumados à vida acadêmica. Muitos acham que produzir algo é copiar e colar, que referências é um detalhe, que é necessário e suficiente para a formação ler aquilo que o professor instrui. Ainda tenho muito pela frente. Quem sabe, daqui para lá mude (ou me iluda) com relação aos objetivos da educação. Neste memorial talvez tenha acabado por refletir mais do que recordar, mas minhas reflexões não são resultados das minhas memórias?
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Last Updated on Thursday, 12 November 2009 04:54 |